segunda-feira, 31 de março de 2014

BOBAGENS DE AMOR - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Eu fico por aqui
    a procura de uma imagem,
    uma sonoridade, uma palavra,
    uma simples e delicada palavra,
    que possa abrir portas,
    destrancar janelas,
    e leve o coração do poeta
    a viajar por lugares
    que eu nem sei se conheço,
    que me traga ternuras,
    que eu nem sei se mereço.

    Eu fico por aqui
    tentando escrever um poema
    que possa traduzir sentimentos,
    que fale do amor derradeiro,
    que construa pontes,
    atravesse desfiladeiros
    e diga da importância
    de tudo que aconteceu entre nós.
    Tão tolo este poeta,
    que tem a pretensão de achar
    que sempre seus poemas serão bons.

    Eu fico por aqui
    a espera de um telefonema
    de alguém que já foi poema,
    e hoje é só uma lembrança doída,
    pois cada vez que eu tento
    descrever o que eu sinto,
    me perco na inutilidade do esforço,
    e brotam versos patéticos,
    e eu fico rindo à toa
    das bobagens de amor
    escritas só pra você.

sábado, 29 de março de 2014

ANJO SABIDO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Um anjo uma vez me disse
    que todas as coisas têm cinco lados:
    o lado esquerdo, o lado direito,
    o lado de cima, o lado de baixo
    e o lado de dentro.
    E aí, ao examinar o lado de dentro,
    assustado, eu me dei conta
    de que por lá
    também existem cinco lados:
    o lado esquerdo, o lado direito,
    o lado de cima, o lado de baixo
    e o lado do tempo.
    E ao examinar o lado do tempo,
    vi que por lá estavam guardados,
    e por assim dizer eternizados,
    todos os meus sentimentos.
    Foi então que o anjo me disse
    que só eles seriam importantes
    na hora do meu julgamento.
    Anjo sabido esse,
    diz cada coisa importante!
    Outro dia ele quis me ensinar
    a olhar com olhos
    de perceber sentimentos.
    Disse a ele que não!
    Pois eu ainda não estava preparado
    para saber do que existe escondido
    no coração de toda esta gente,
    que só mais tarde
    quando eu já soubesse compreender
    todos os meus lados
    eu ia querer aprender.
    Ele sorriu e me chamou de ingênuo,
    disse que eu era um poeta,
    e que querendo ou não
    eu teria que aprender.

sexta-feira, 28 de março de 2014

COISA MAIS SEM NOÇÃO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Coisa mais indecente
    essa mania de bolinar palavras,
    só pelo prazer de vê-las excitadas
    e assim sendo, acasaladas em seus versos.

    Coisa mais absurda
    essa história de macerar significados,
    papel em bandeja sobre a mesa
    e depois xingá-lo de poema.

    Coisa mais sem noção,
    aquele que se denomina poeta,
    viciado em transformar palavras
    nesta pasta gosmenta e grudenta,
    com a desculpa de ter sido provocado
    pela danada da inspiração.

quarta-feira, 26 de março de 2014

RECEITA PRA CURAR NOSTALGIA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Pra curar olhar tristonho,
   lágrima ardida de outono,
   nostalgia que invade
   e faz aperto no peito,
   precisa juntar
   folhas fresquinhas
   de alfazema, arruda e guiné.
   Colocar sobre um pano branco
   no parapeito da janela
   e deixar lá por uma noite
   ao alcance do orvalho.

   Pela manhã,
   macerar as ervas
   com muito cuidado,
   até que amassadinhas
   soltem uma gosma verdinha...
   Atenção! Não pode beber.

   Aplicar feito unguento,
   sobre o coração do coitado,
   bem na hora da Ave Maria,
   depois rezar três Pai Nosso,
   sem esquecer de dizer
   da vida que precisa vivida
   e das dores que precisa esquecer.

   Repetir por três lua cheia,
   garanto que deixa de ser abestado,
   fica curado da nostalgia,
   e assim sendo larga de ser poeta
   e vai procurar coisa melhor pra fazer.


JÁ NÃO SEI - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Já não sei se eu vou abrir a porta,
    ou se eu vou morrer de fome,
    se vou gritar Teu nome
    ou se isto já não importa.

    Já não sei se eu sou um homem,
    ou um bicho com muita fome,
    se abro a porta da frente,
    ou se continuo um descrente.

    Já não sei se acredito em magia,
    e se continuo a escrever poesias,
    ou se rasgo todos os meus livros
    e perco de uma vez o juízo.

    Já não sei do Deus que me devora,
    nem do tempo que vivo agora,
    do passado que me consome
    ou do futuro que me absolve.

    Temo que eu só consiga Te merecer
    o dia que eu deixar de ser.

SINFONIA DO CAOS - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   O tique e taque nervoso,
   o tempo perverso,
   o dia nublado,
   a freada repentina,
   a estridência da buzina,
   o sinal está fechado,
   o trepidar da britadeira,
   o sino da igreja,
   tocando em meus ouvidos.
   O ambulante se desespera,
   não vendeu quase nada,
   o soco no estomago,
   o grito da menina
   assaltada na esquina,
   as lágrimas do pivete
   amarrado num poste
   e a violência estampada
   no olhar das pessoas.
   Uma rajada de balas,
   um confronto num beco,
   e a bala perdida
   encontrou seu endereço
   no peito de uma mulher
   que andava apressada,
   muitas coisas pra fazer,
   tinha contas pra pagar,
   crianças pra criar,
   e um sonho interrompido
   num olhar triste e sofrido,
   e eu nem sei mais quem é o bandido.
   A sirene da ambulância
   que passa e não para,
   foi atender noutro lugar.
   A polícia desfaz a cena,
   cada um vai pro seu canto
   e as pessoas engasgadas,
   violentadas pelo silêncio.
   Um poema incidental:
   sinfonia do caos.