segunda-feira, 26 de março de 2012

TARDES PREGUIÇOSAS DE MAIO (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

    A palavra suavidade
    é íntima das tardes de outono,
    do vento que invade minha casa,
    da passarinhada que perambula
    alegremente pela sala,
    do cheirinho de café
    coado sem pressa,
    do sorriso que eu colho
    ao dizer que te amo.

    Tardes preguiçosas de maio,
    propícias para o aconchego,
    palavras sussurradas, segredos,
    e os seus olhos verdes bordados
    a alinhavar cumplicidades,
    e o som da tua voz ao dizer: desperta!
    pois anoitece e a lua veio te abençoar.

    Em nós, a palavra delicadeza
    reside nos mais variados detalhes
    presentes a cada momento
    passado ao teu lado,
    e no frescor da tua pele,
    apesar dos tantos anos,
    e no perfume que eu sinto
    toda a vez que beijo teu rosto,
    e na excitação que surge
    quando abraço o teu corpo.

    A palavra poesia é cúmplice
    dos momentos povoados de sonhos.

segunda-feira, 12 de março de 2012

VENTO DE MAIO (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

    O vento que assopra outono
    encharca de entardecer meus olhos,
    talvez por ser vento de maio,
    talvez por mexer em escombros.

    Só sei que desencravo memórias,
    de ruas friorentas e desertas,
    de janela convenientemente entreaberta,
    de música suave ao piano,
    de intimidades sendo expostas,
    de nostalgia batendo a porta,
    de bordados em tecidos estranhos,
    de palavras sussurradas, enganos,
    faz tempo não sei de você.

    O vento que venta em maio
    traz inquietude pra dentro do quarto
    e goteja palavras de sonho,
    poema que eu não saberia escrever. 

RANHURAS (ARQUIVO)

    NALDOVELHO

    Fissuras, frestas, fraturas,
    palavras talhadas nas pedras,
    mensagens deixadas pelo vento,
    histórias que o tempo preservou.

    Rugas, marcas, cicatrizes,
    versos escritos pelo corpo,
    relatos de perdas e danos,
    testemunhos do que se passou.

    E no olhar dessas mulheres,
    um grito de coragem e amor,
    de quem sobreviveu pedra
    com suas ranhuras expostas,
    cicatrizes deixadas à mostra,
    poesia superando a dor.

sexta-feira, 9 de março de 2012

NO TRONCO DAQUELA ÁRVORE (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

    No troco daquela árvore,
    a lâmina indigente
    deixa registrado
    um coração trespassado
    e o nome de uma mulher,
    acompanhado da palavra dor.

    No tronco daquela árvore,
    sinais mais que evidentes
    a retratar cicatrizes
    e a falta de coragem,
    de gritar aos quatro cantos
    o nome de quem chorou.

segunda-feira, 5 de março de 2012

MINHA MENINA (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

    Dorme minha menina!
    protegida das sombras da noite,
    longe da tempestade e do açoite,
    imune às perdas do desamor.

    Dorme minha menina!
    sonha com caminhos povoados de flores,
    com pássaros em animada conversa,
    e com a delicadeza que a inocência desperta.

    Dorme minha menina!
    que eu viro teu sentinela silencioso,
    e protejo teus caminhos destinos,
    até que um dia alguém te possa colher.

    Quem sabe nesse dia eu consiga
    me livrar deste escudo e armadura,
    fincar minha espada neste chão,
    abençoar teu novo guardião e partir.

domingo, 4 de março de 2012

NOS DIAS DE HOJE (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

    O espanto da pele
    na contundência do espelho,
    a dormência da língua
    no fastio das palavras,
    o movimento silencioso
    entre o quarto e a sala,
    o café servido bem forte,
    o cheiro adocicado das manhãs,
    as notícias de ontem,
    que se repetem faz tempo.

    A artrite, a artrose,
    a ardência nos olhos,
    a janela desavergonhadamente aberta,
    os pássaros em passeata reclamam
    da escassez das migalhas pelo chão.
    A luz de um sol pálido de outono,
    o vento frio, a respiração afrontada,
    ainda sinto falta de um cigarro.
    
    Um último livro precisando ser escrito,
    versos escassos extraídos do umbigo
    num bloco de papel sobre a mesa,
    palavras inquietas que falam
    de um tempo de maior delicadeza,
    que por mais que eu me iluda,
    nem sei se de fato eu vivi.

    O dia partido ao meio,
    o assombro das horas
    no desassossego da vida lá fora...
    Aqui dentro, meu coração bate sem pressa
    para que o tempo nunca se acabe.