NALDOVELHO
Eu tenho um poema inquieto
que se contorce dentro de mim
e ele fala de um amor derradeiro
que se denuncia o tempo inteiro
num simples e delicado gesto,
num olhar meio assim soslaio,
num respirar inevitavelmente afrontado,
no suor na palma das mãos,
no bater descompassado de um coração.
Eu tenho um poema não escrito
aprisionado na ponta da língua,
no sentimento que goteja desejos,
no carinho sonhado, mas não dito,
pois toda a vez que abro os olhos eu
vejo
o teu sorriso, o teu cabelo emaranhado,
e de repente sinto o teu cheiro
e tento guarda-lo comigo
na esperança de senti-lo o tempo
inteiro.
Eu tenho um poema proscrito,
negado, amordaçado, aflito,
versos molhados de orgasmos,
sentimentos indecentes, pecados,
e por causa dele eu finjo o tempo
inteiro,
digo mentiras, bobagens,
faço de contas que ele não existe,
pois toda a vez que eu amei assim,
acabei naufragando dentro de mim.
Eu tenho um poema, mas não tenho,
poema covarde que chora,
o tempo que faz tempo foi embora,
e o que restou foram muitas cicatrizes,
lembranças de um tempo de incertezas,
de rosas infestadas de espinhos,
de escrever não sei quantos outros
poemas
na esperança de esconder o poema verdadeiro,
versos que eu não tenho coragem de
escrever.