domingo, 28 de fevereiro de 2016

POEMA NÃO ESCRITO

    NALDOVELHO

    Eu tenho um poema inquieto
    que se contorce dentro de mim
    e ele fala de um amor derradeiro
    que se denuncia o tempo inteiro
    num simples e delicado gesto,
    num olhar meio assim soslaio,
    num respirar inevitavelmente afrontado,
    no suor na palma das mãos,
    no bater descompassado de um coração.

    Eu tenho um poema não escrito
    aprisionado na ponta da língua,
    no sentimento que goteja desejos,
    no carinho sonhado, mas não dito,
    pois toda a vez que abro os olhos eu vejo
    o teu sorriso, o teu cabelo emaranhado,
    e de repente sinto o teu cheiro
    e tento guarda-lo comigo
    na esperança de senti-lo o tempo inteiro.

    Eu tenho um poema proscrito,
    negado, amordaçado, aflito,
    versos molhados de orgasmos,
    sentimentos indecentes, pecados,
    e por causa dele eu finjo o tempo inteiro,
    digo mentiras, bobagens,
    faço de contas que ele não existe,
    pois toda a vez que eu amei assim,
    acabei naufragando dentro de mim.

    Eu tenho um poema, mas não tenho,
    poema covarde que chora,
    o tempo que faz tempo foi embora,
    e o que restou foram muitas cicatrizes,
    lembranças de um tempo de incertezas,
    de rosas infestadas de espinhos,
    de escrever não sei quantos outros poemas
    na esperança de esconder o poema verdadeiro,
    versos que eu não tenho coragem de escrever.




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

ANTES QUE SEJA TARDE

    NALDOVELHO

    A breve sutileza de um olhar,
    a delicadeza de um sorriso,
    a fugaz ternura de uma paixão,
    tudo é chama que aquece minha alma.
    E a música que toca incendeia meus sentidos,
    a loucura nos olhos de quem chora,
    o espinho cravado na palma da mão.
    tudo é dor a lapidar meu coração.
    O veneno injetado em minhas veias,
    mordida ardida de sereia,
    não há antidoto para a agonia de uma paixão,
    melhor morrer antes que seja tarde,
    mas que seja em noite de lua cheia,
    para que eu possa renascer junto à arrebentação.


DEPOIS DE MUITO TEMPO

    NALDOVELHO

    Ontem, ao caminhar pela casa
    encontrei pedaços de mim mesmo,
    partes, que há tempos eu não via.

    Meu braço direito que um dia
    deixei esquecido em volta de sua cintura...
    Acho que na pressa de partir
    você acabou por atirá-lo a um canto,
    nem teve a gentileza de me devolver.

    Encontrei também minha alma de sonhar,
    minha boca de falar e meus olhos de chorar.
    Coisa estranha!
    Tantas coisas que pareciam perdidas,
    na realidade estavam só esquecidas.

    Até minhas pernas eu voltei a sentir,
    caminhei em direção à porta
    e ao sair pelas ruas conheci pessoas,
    perguntei a elas sobre você...
    Mas de você elas não sabiam!

    Resolvi então abrir minhas janelas,
    escancarar de vez minha vida,
    quem sabe um vento forte
    possa trazer de volta meu coração
    que por pura maldade
    você levou ao partir?

    Ontem ao caminhar pela cidade,
    depois de muito tempo
    eu senti vontade de sorrir.



sábado, 6 de fevereiro de 2016

MINHA MANEIRA DE AMAR

    NALDOVELHO

    Meu pensamento é faca
    a fatiar o tempo,
    cada fatia um sentimento,
    uma história a ser contada
    onde passado, presente e futuro
    se misturam em cima de uma mesa,
    folha de papel em bandeja,
    pois é minha sina macerar a palavra
    até tirar dela seu sumo, seu significado.

    Minha palavra e fórceps
    a extrair de minhas entranhas,
    nódulos, pólipos, abcessos,
    fetos não nascidos faz tempo
    cristalizados feito farpas,
    perda, mágoa, rancores,
    coisas que só um poema
    conseguirá desmaterializar.

    Meu poema é caminho
    construído em noites desertas,
    é oração que eu teço sozinho,
    é quem me aquece nas horas incertas,
    é asas de voar por dentro,
    é a delicadeza e a leveza
    de uma lágrima transposta em verso,
    é a minha maneira de amar. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

ENTARDECER

    NALDOVELHO

    Quando meus olhos entardeceram
    eu percebi que o mundo que existia
    não cabia na palma da minha mão
    e que o meu umbigo sofria
    de uma dor maior do que deveria
    suportar o meu pobre coração.

    Quando meus olhos entardeceram
    eu acendi velas pros santos,
    fiz orações aos quatro cantos,
    pedi que a vida que existia
    não tivesse tanta pressa,
    tive muito medo de morrer.

    Então eu me pus a registrar em versos
    todos os meus passos pregressos,
    todos os meus pensamentos insanos,
    todos os meus desenganos,
    na esperança de assim me eternizar,
    pois uma vez mais eu tive medo de morrer.

    Quando os meus olhos entardeceram
    eu tentei mergulhar dentro de mim,
    na esperança de encontrar respostas
    pois pela primeira vez eu entendia
    que a vida que eu vivia deveria ter sido
    maior do que aquela que existia em minhas ilusões.

    E aí eu vi que a solidão havia sido um caminho,
    e que todas as feridas, cicatrizes, espinhos,
    nada mais eram do que a colheita de quem
    fez da inquietude o seu único bem.
    E a cada poema um pouco mais eu morria
    com medo de não deixar nada para ninguém.