quarta-feira, 22 de abril de 2015

NÃO MAIS POEMAS DE AMOR E DOR


NALDOVELHO

Eu sabia daquele homem que vivia numa casa que ele achava sem portas e janelas. Não é que não tinham, mas ele não as sabia.

Andava de um lado para o outro, do quarto para a sala, da sala para a cozinha e da cozinha para o quarto. Falava com as paredes, contava a elas seus segredos e chorava seus medos, na vã esperança de uma resposta, um conselho, uma ajuda. Mas as paredes emudecidas, ironicamente sorriam.

Quase não comia, mas fumava muito, e muito mais bebia, e quando dormia sonhava com caminhos de se revelar por dentro e com rios de semear mundo afora.

Todas as manhãs o sol, assim que nascia, transpassava as paredes e iluminava todo o interior, e ele sentado à mesa da sala imaginava escutar uma valsa, e bailava, e bailava... Depois, inspirado escrevia poemas de amor e dor.

Certo dia, cansado de sua tristeza, pegou a palavra saudade que insistentemente atormentava seus versos, e num gesto de puro desespero atirou-a contra a parede do seu quarto. Maravilhado percebeu que por lá aquela palavra malvada abrira uma enorme fenda e a parede sangrava e por ela um vento arruaceiro tentava invadir a casa.

Pegou então muitas outras palavras que há tempos incomodavam, e atirou-as todas contra as paredes, que se antes ironicamente sorriam, agora em escombros choravam.

Eu sabia daquele homem, hoje nem sei mais, pois daquele dia em diante, liberto de suas paredes, emergiu dos seus sonhos, caiu no esquecimento de toda a gente e não mais escreveu poemas de amor e dor. 

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