segunda-feira, 29 de julho de 2013

PALAVRA LIQUEFEITA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Sagrada é a palavra liquefeita
   derramada sobre o poema
   a me dizer que às vezes o tempo passa
   rebelado e urgente
   e assim passa traiçoeiro,
   e me arrasta pra bem longe
   do lugar onde eu nasci;
   mas às vezes ela é um rio
   que passa manso, sorrateiro,
   e me permite o aconchego
   de navegá-lo até o porvir.

   Sagrada é a palavra liquefeita
   derramada sobre o poema
   a me dizer que a vida passa
   apesar das tempestades,
   dos presságios e naufrágios,
   pois toda a vez que amanhece
   passarinhada fica em festa
   e da janela do meu quarto
   surge um bando de colibris.

   Sagrada é a palavra liquefeita
   derramada sobre a pedra
   que um dia será poema,
   pois ainda que eu morra
   de morte branda ou sofrida,
   restarão de mim meus versos,
   testemunhos dos meus passos
   e serão preciosos pedaços,
   pois terá valido a pena
   viver assim como eu vivi. 

EMOLDURANDO O TEU CORPO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Embaraçado em teus cabelos,
   amanheço encharcado de sonhos
   e na suavidade dos teus carinhos,
   me alimento de cheiros e zelos.

   Envolto em seivas e vinhos,
   me embriago em delicadezas,
   minha alma emoldurando o teu corpo,
   minhas pernas já nem sei onde estão.

   Na tua pele sardenta,
   eu escrevo poemas indecentes,
   registros da minha demência,
   segredos, grunhidos, urgências.

   Nas dobras, nas fendas, abismos,
   eu morro de dor a cada orgasmo,
   minha carne exposta em postas,
   meu sêmen derramado pelo chão.




sexta-feira, 26 de julho de 2013

OUÇO! - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Ouço o vento que acaricia as cortinas,
   o amanhecer que não demora desperta,
   ainda que aqui dentro
   faça morada o silêncio
   das palavras não ditas
   e da inquietude maldita
   que não me deixa dormir.

   Ouço o barulho do papel
   impiedosamente rasgado,
   os passos daqueles que vagam
   pelas noites friorentas de julho
   e o atritar insone das horas
   no coração do homem que insiste
   em permanecer encharcado por dentro.

   Ouço o poema que sorrateiramente lhe aflora
   em versos que cicatrizam feridas,
   testemunho da ternura que existe
   na possibilidade de se construir um caminho
   que nos permita a singeleza de um abraço,
   pois é missão do poeta construir laços
   que possam suavizar nossos corações.

   DEDICADO A POETA MARCIA MENDES NO DIA DO ESCRITOR


quinta-feira, 18 de julho de 2013

ASSOMBRAÇÃO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Uma folha de papel em branco
   sorri ironicamente,
   faz pouco do meu esforço
   de tentar desenhar seu rosto.

   Um vento invade o quarto,
   embaralha palavras, enredos,
   impede que eu escreva um romance.
   Diz que prefere os poemas!

   Da janela da casa ao lado 
   uma música aumenta o estrago,
   Michel Legrand ao piano...
   Por mais que eu enterre o passado
   ele volta sempre a me assombrar.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O MENINO E O HOMEM - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Na beira de um rio
    um menino observa
    corredeiras que passam,
    sonha em poder um dia
    caminhar do lado de lá.
    Sonha até em construir uma casa
    no alto de uma colina
    que domina aquele lugar.
    Não sabe este menino,
    que do outro lado um homem,
    já faz muitos e muitos anos,
    trabalha noite e dia,
    construindo uma ponte
    que possa levá-lo
    de volta ao seu lar. 

terça-feira, 16 de julho de 2013

DIA ESQUISITO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   O dia amanheceu esquisito,
   irritado, caminhou de um lado para o outro,  
   mexeu em meus guardados,
   bisbilhotou segredos sagrados,
   esparramou retratos, cartas, bilhetes...
   Lá pelas tantas, faminto,
   comeu o meu poema!
   arrotou distanciamentos,
   não sei mais o que fazer! 

domingo, 14 de julho de 2013

EU TE AMO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   A fragilidade dos escudos que eu carrego,
   as cicatrizes espalhadas pelo corpo,
   as feridas que persistem por dentro,
   a nostalgia, a saudade, a dança do tempo.

   As lágrimas que em segredo ainda choro,
   o sorriso a que me obrigo no rosto,
   os sonhos que alimentam a esperança,
   a vontade de voltar a ser criança.

   Esta música que insistentemente me devora,
   mês de julho, inverno, chuva fria,
   vidraça embaçada, cidade nublada
   e a dor de ser um prisioneiro das madrugadas.

   A delicadeza dos poemas que eu faço,
   a leveza das palavras que eu escolho
   para dizer que mesmo depois de tantos e tantos anos,
   eu continuo a dizer: eu te amo!


TEMPO MALVADO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


   NALDOVELHO

   Outro dia, insatisfeito com o tempo,
   chamei-o de covarde!
   O tempo, entristecido,
   perguntou-me o porquê.
   Eu respondi que assim era,
   pela sabedoria que ele tinha
   de não nos deixar voltar atrás.
   Tempo malvado!
   Nem em sonhos, 
   ele se compadece dos meus ais.