segunda-feira, 28 de maio de 2012

PRECISO DIZER QUE TE AMO (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Preciso das manhãs friorentas de agosto,
   resgatar em minha mente
   a lembrança da delicadeza do teu rosto
   e na solidão avarandada do meu tédio,
   encontrar a palavra fazedeira
   que seja a chave do poema
   que eu não ouso concretizar.

   Preciso do vento acariciando o cenário,
   abrir portas, janelas, armários,
   arejar prateleiras e gavetas...
   Quem sabe naquele velho dicionário,
   palavras que sejam aveludadas
   e que possam extrair do poeta
   a paixão que ele não ousa confessar.

   Preciso das tardes chuvosas de inverno,
   e na pieguice que me toma a alma,
   espalhar pelo quarto, retratos, cartas, bilhetes,
   e sonhar com pernas entrelaçadas,
   saliva, suor, sêmen, saudade,
   preciso resgatar a coragem
   e gritar aos quatro cantos que te amo!

   Preciso urgentemente de um conhaque,
   de uma cigarrilha que seja cubana,
   de uma música visceral e profana,
   preciso acordar no meio da noite,
   e ao sentir o teu cheiro no travesseiro,
   encontrar minha inquietude de volta,
   pois na calmaria eu não consigo viver.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

PELO PRAZER DE UMA DANÇA (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Por que reclamas?
   Será por conta dos muitos enganos?
   Às vezes o amor acontece
   sem promessas nem planos.
   Às vezes é amor indecente
   que brota abusado e envolvente,
   na verdade incoerente,
   sem razão nem porquê, pura paixão!
   que nos toma corações e mentes,
   nos faz ir as alturas e depois se vai,
   sem ao menos se despedir.
   E o que fica são apenas lembranças;
   de uma doce e suave fragrância,
   de uma música, de uma dança
   que deveria ter sido plena, 
   mas que por força dos teus devaneios
   não conseguistes concretizar.

CONTRA A MARÉ (ARQUIVO)

   NALDOVELHO

   Solitária nascente gotejando sementes,
   constrói o presente no ventre de uma mulher.

   Eu vejo um menino escalando montanhas
   e escrevendo com as mãos o seu próprio destino;
   braço de um rio sagra o seu curso,
   navegar, navegar, descobrir o seu ninho,
   aportar, lançar amarras...
   Fazer do amor a razão dos seus sonhos.

   Filetes de pedra, mais parecem espinhos,
   cristalinas escarpas, fronteiras em desalinho.

   Poderosa enchente que a tudo renova...
   Adernar, naufragar, me afogar em delírio,
   descobrir que a dor impulsiona o ser.
   Desgovernado que seja, alterar o meu curso,
   ver o mar raivoso ser a foz de um rio,
   e uma velha embarcação resistir ao açoite.

   Eu vejo um menino, sobrevivente dos tempos,
   a escrever com as mãos o seu próprio destino,
   e na procura de um norte desafiar a própria morte...
   Suas mãos calejadas por lutar contra a maré.

É QUANDO... (ARQUIVO)

   NALDOVELHO

   É quando o tempo da gente
   aponta pra porta
   e diz não importa
   se vamos sofrer.

   É quando, janelas abertas,
   em noites desertas,
   denunciam a insônia
   que consome o meu ser.

   É quando a lua enxerida
   pergunta até quando
   e o porquê dos enganos?
   Era pra ser bem mais fácil!

   É quando a poesia arranha,
   incomoda e assanha,
   inquietude que eu tenho,
   faz tempo que eu sonho.

   É quando o outono começa
   a revolver meus guardados,
   traz de volta o passado,
   traz de volta você.

   É quando o tempo da gente
   nos diz simplesmente:
   melhor abrir a porta
   e deixar acontecer.

COMPORTAS ABERTAS (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Comportas abertas derramam versos
   que atingem em cheio o coração do poeta
   que renovado proclama que a enchente instiga
   feitiços tamanhos, falares diversos,
   remédios pras dores das muitas feridas
   e traz também a alquimia das águas,
   e traz melodia, ainda que estranha,
   e desperta a magia que existe em mim.

   Abertas as portas da casa que eu tenho,
   um rio me invade, inunda meu quarto
   e faz corredeiras dentro de mim.
   Aberta a janela, que existe na sala,
   a lua que eu amo ilumina o ambiente,
   que bom que a lágrima espantou estiagem,
   e a poesia circula livremente em mim.

SINFONIA ESTRANHA (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Na força dos ventos, sinfonia estranha,
   sudoeste se assanha, ressaca de versos.
   O cheiro de terra, o inverno lá fora,
   a certeza que a hora não tarda a chegar.

   As minhas sementes florescem aqui dentro,
   dão frutos sadios, de polpas tão tenras,
   remédios que o tempo há de preservar.

   Poesias, lembranças, miragens, bobagens,
   fartura de sonhos sem nenhum cabimento,
   mas que dão crescimento, não adianta negar.

   Escolhas que eu tive, por falta de escolhas,
   caminhos trilhados sem constrangimentos.
   A forja de um homem de pele morena,
   de olhos castanhos e com um pé no além mar.

   Sinfonia de versos, amores passados,
   feridas latentes, ainda presentes.
   Estranho ofício, poesia que arranha,
   inquietude tamanha a me assombrar.

   Lá no fundo do meu eu um precipício,
   e um animal acuado querendo se libertar.
   Mas no coração mora um anjo, menino e travesso,
   poeta que eu tenho guardado em meu peito,
   que toda a vez que eu choro
   derrama um poema pra me consolar.

   Sinfonia tamanha, rebelada e estranha,
   que transforma as trevas em noite de lua
   e depois amanhece, embora me doa,
   o sol acontece pra me renovar.

   E o animal adormece embalado em meus versos,
   sons que eu confesso, cantigas de ninar.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

PARA QUEM NASCEU DE CASTIGO (PROSA POÉTICA)


   NALDOVELHO

   Este filho há de nascer sob o manto da estrela da manhã, de uma manhã de chuva, exatos três de agosto, ano do tigre, signo de leão. No Tarô, o Eremita será a sua carta, uma homenagem aos Homens do Caminho, um culto à solidão! Terá em sua coroa, Mamãe Oxum, Omolu e Iemanjá, e tudo isso, com a licença de Oxalá!

   Já vai nascer de castigo por tudo o que aprontou em outras trilhas, caminhos. Nada que seja muito trágico, apenas o suficiente para que possa aprender a reescrever seu destino.

   Contam os Anciões do Conselho que antes do nascimento, ainda na fase do preparo, quando o bolo estava sendo feito, de propósito foi recheado com uma massa danada de ardida que um espírito amigo chamou de inquietação! E que por ser assim tão apimentada, até que fosse depurada, seria de difícil digestão.

   Está previsto que ele vai ser muito testado e vai ter que aprender a amar e a sofrer com seus desencontros. Vai ser um colecionador de lembranças, cicatrizes, feridas e terá que lidar com as perdas e com o desencanto; será um construtor de castelos de areia, só para que o mar possa desmanchar em noites de maré cheia. 

   Vai ter sempre uma lágrima nos olhos pronta para ser chorada, mas nunca vai poder se entregar ao pranto, mesmo que seja por uma saudade imensa e tardia. Vai ter que aprender a cicatrizar suas feridas e vai ter, finalmente, que aprender sobre a dor, não mais a sua, mas a de tantos, que é para que a dor que existe no mundo um dia saber curar.

   Será certamente um poeta, alguém com muita coragem e terá que escrever muitos versos, seus passos, caminhos, vivências, para quando merecer sair do castigo poder se transformar num servo, um trabalhador do caminho, alguém com quem possamos contar.